No fim 2021, Daniela Silva dos Santos era uma jovem universitária como tantas outras. Tinha 24 anos, morava sozinha e estava no sétimo período da graduação em Serviço Social, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Do dia para a noite, no entanto, sua vida virou de cabeça para baixo: descobriu que estava grávida do ex-marido, de quem havia acabado de se separar. Muitas coisas mudaram de lá para cá, mas ao contrário da previsão de muitos colegas, uma permaneceu inalterada: o empenho em pegar o diploma. Hoje, aos 27, Daniela é mãe solo de Davi, estagiária, e está prestes a apresentar o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
A estudante continuou frequentando diariamente as aulas até os oito meses de gestação, quando entrou com o pedido de licença-maternidade. Na UFRJ, o período era de apenas três meses, fazendo com que o seu retorno calhasse com o início do estágio obrigatório. Assim, com o filho de apenas um mês, enfrentou a maratona de trabalhar e estudar durante o puerpério.
“Desistir não era uma opção, nunca foi”, conta a jovem ao GUIA DO ESTUDANTE. “Eu havia lutado muito para chegar ali, desistir não passava pela minha cabeça.” A história da universitária é exemplo de determinação, mas também retrata os perrengues e a importância de uma rede de apoio quando mais se precisa.
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Em meio à universidade, a gravidez
Dani, como prefere ser chamada, entrou na UFRJ no meio de 2018, mas passar no vestibular foi só o primeiro desafio. Já mirando uma carreira acadêmica, começou a participar de atividades extraclasse, sobretudo de projetos de extensão. Para completar, a jovem morava em Niterói e precisava se deslocar todos os dias para o Rio de Janeiro. Eram três horas diárias no trajeto – e vários alarmes para acordar antes das 5h manhã.
Já em 2020, em meio à pandemia, esse problema deu uma trégua, uma vez que estudava de casa. Mas a falta de estrutura da universidade para ministrar as aulas online dificultou o prosseguimento do curso, atrasando em quase um ano a graduação. No meio tempo, Daniela se casou, e no mesmo ano, se divorciou.
Foi nesse cenário que, em 2021, voltou com dificuldade para as aulas presenciais: enfrentava uma depressão e ir para a universidade todos os dias passou a custar cada vez mais a saúde mental. Cursava apenas duas disciplinas por período, mas não demorou para a coordenação do curso interferir na prática e ameaçar o corte da bolsa-auxílio que recebia. Em meio ao turbilhão de emoções teve a notícia: estava grávida.
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‘Diziam que eu não seria capaz’
“Durante a graduação, eu sempre tive contato com mulheres mães dentro da UFRJ. Então, eu sabia que era possível […] mas também sabia que seria muito difícil”, diz. Ao contar a notícia à própria mãe, recebeu como resposta um misto de emoções. “Feliz, ela não ficou”, relembra. “Afinal, eu tinha engravidado do meu ex-marido, de quem eu já tinha me separado. Então, ela sabia que seria pesado para mim.”
De fato, foi, especialmente na universidade. Enquanto alguns professores entendiam a situação de Daniela – que agora não era mais somente uma universitária, mas gestante – outros pareciam não compartilhar do sentimento, sem flexibilizar a entrega de trabalhos ou o calendário de provas.
Junto com as cobranças irreais, vinham os comentários de colegas que não concebiam a possibilidade de uma mulher grávida seguir estudando. “As pessoas não me perguntavam se eu ia desistir da faculdade, elas já confirmavam isso por mim”, conta. “Ouvi muitas coisas ruins, como se eu não fosse capaz de criar o meu filho. Tinham pena, me colocavam num lugar de coitada.”
As dificuldades práticas da gravidez se somavam a tudo isso. “Eu fiquei gigante, toda inchada, ia para a aula com barrigão”, relembra. Ver a jovem universitária dar lugar a uma mãe não foi fácil. Mas, mais do que nunca, Daniela sabia que a faculdade era a sua melhor chance de conseguir a vida que sonhava – agora também para o filho.
“Eu não sabia aonde eu queria chegar, mas sabia o que eu não queria mais passar. Desistir da faculdade faria eu voltar a passar por coisas que eu não queria viver novamente.”
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Rede de apoio
Quando Davi nasceu, em agosto de 2022, a estudante brinca que ela nasceu também como mãe: “Nasce um filho, nasce uma mãe.” Neste caso, uma mãe e uma avó. Passado o choque inicial, a mãe de Daniela, viúva e aposentada, passou a ser uma verdadeira parceira na criação do garoto.
“Eu não tenho como contar essa história da minha maternidade com a graduação sem enfatizar a minha rede de apoio, que é a minha mãe”, diz. “Eu não teria como chegar onde eu cheguei, caminhar o que caminhei, sem ela ao meu lado”. Ainda durante a gestação, a mãe fez todo o enxoval do neném, organizou um chá de bebê e se mudou para a casa de Dani. “Ela cria ele até hoje comigo”, diz.
Ao longo do tempo, outras mulheres também se somaram a essa rede de apoio, como a supervisora do estágio de Daniela no CREAS (Centro de Referência à Assistência Social Especializada). “Luana Reis foi crucial para eu continuasse nesse estágio. No pós-maternidade, a minha saúde mental ficou muito afetada, meu ex assumiu uma nova esposa, eu entrei depressão… e ela entendia o que eu estava passando”, relembra.
A jovem vê a parceria da supervisora nos pequenos detalhes, como no próprio dia em que concedeu a entrevista ao GUIA DO ESTUDANTE, durante um intervalo do expediente. “Hoje meu filho está com febre e quando eu cheguei aqui, ela logo veio me perguntar por que eu não tinha ficado em casa com ele”, conta. “Ela consegue entender que eu sou uma mãe para além da estagiária”.
Um diploma para dois
Davi vai fazer dois anos em agosto. Ele fica com a avó quando a mãe está no estágio ou na faculdade. Neste penúltimo semestre, Daniela só tem mais duas disciplinas, ambas relacionadas ao TCC – que, por sinal, tem como tema a maternidade. No ensaio de fotos da formatura, que fez junto com os amigos da turma que ingressou, levou Davi junto.
O diploma, sabe bem, será essencial para dar conta de si e do filho. “A minha busca agora é criar estabilidade. Eu não tenho só a mim para dar conta, tenho um ser humaninho – que gasta muito, por sinal”, brinca a jovem, que pretende seguir estudando e trabalhando com assistência social. “É uma área que muita gente foge, mas que eu amo. A minha perspectiva é passar em um concurso público e depois continuar na área acadêmica, fazer mestrado, doutorado”, diz.
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