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1º lugar na Medicina da USP tirou nota máxima na redação; veja dicas

O gosto pela leitura fez toda a diferença para Rafael Lara Nohmi alcançar a nota máxima; leia na íntegra a redação do agora calouro de medicina

Por Julia Di Spagna
Atualizado em 8 fev 2023, 17h40 - Publicado em 7 fev 2023, 17h33

Ser aprovado no curso de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), sobretudo no campus da capital, o mais concorrido do Brasil, é um feito e tanto. Na primeira fase da Fuvest, os candidatos devem praticamente gabaritar a prova – em 2023, por exemplo, a nota de corte foi de 81 pontos (de 90) – e a concorrência na segunda etapa do vestibular exige um desempenho praticamente perfeito, com pouca margem para erros.

E foi essa a conquista de Rafael Lara Nohmi, de 19 anos, morador de Belo Horizonte. Aprovado em primeiro lugar na Medicina na USP, o estudante teve pontuações altíssimas, incluindo a nota máxima na redação.

Mas, independentemente da carreira que se irá prestar, conseguir um bom resultado nessa parte da prova pode deixar você mais próximo da aprovação. O GUIA DO ESTUDANTE conversou com Rafael, que deu dicas e explicou seis estratégias que fizeram toda a diferença na sua preparação para escrever um texto nota máxima. Confira abaixo: 

Senso crítico

A primeira dica de Rafael é que, na hora de construir o seu repertório, você analise o mundo ao seu redor de maneira crítica, questionando o porquê das coisas. Ou seja, ao ler teorias, assistir a um documentário ou acompanhar as notícias do Brasil e do mundo, é preciso ir além do consumo do conteúdo e buscar analisar as questões sociais, o contexto econômico e construir relações com o conhecimento adquirido em sala de aula.

Atenção às palavras

Outra dica do estudante é usar a língua portuguesa a seu favor. “Use ao longo do seu texto palavras-chave que tenham a ver com o tema proposto, assim você demonstra ao corretor que não está tangenciando o tema”, diz Rafael.

Além disso, ele indica a realização de algum jogo de palavras que transmita um estilo singular ao texto. Mas cuidado: só recorra a essa opção se estiver realmente seguro, de preferência se já tiver praticado a técnica ao longo do ano em suas redações. Além de abordar o tema de refugiados climáticos, que foi a proposta da redação 2023 da Fuvest, Rafael falou em seu texto sobre capitalismo e consumo e fez associações com vícios e drogas usando termos como “letargia psicotrópica do consumismo”, “sociedade sedada”, “reduzir a montanha a pó”, “tráfego (ou tráfico) humano” e “ópio do povo” (leia abaixo a redação de Rafael na íntegra).

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Usar o repertório de maneira natural

Rafael também conta que é importante transmitir o repertório cultural de maneira natural. Ou seja, nada de apenas replicar o que você ouviu de orelhada ou leu superficialmente sem entender de fato o assunto. “Se você não conhece muito bem o filósofo Michel Foucault ou o sociólogo Zygmunt Bauman não faz sentido citá-los”, diz Rafael. Durante o ano, o agora calouro de medicina usou as dicas de redação que obteve no cursinho em que estudou em Belo Horizonte, o HPlus, e também nos cursos intensivos de redação que fez em dezembro com a professora Gabriela Carvalho e no 100% Redação.

Evitar modelos prontos

Começar o texto com “desde os primórdios da Humanidade” ou “nos dias de hoje”; dar a solução para um problema com “a população precisa se conscientizar” ou achar que seu texto precisa obrigatoriamente ter quatro parágrafos… enfim, sabe aquelas ditas fórmulas prontas e clichês na hora de escrever a redação? Melhor evitá-los. 

Seguir regras, “fórmulas” e padrões pode ser uma possibilidade quando você está um pouco perdido sobre como começar a redação ou estruturar os parágrafos. Mas essa estratégia pode trazer uma certa rigidez ao texto e deixá-lo truncado. Durante a preparação, faça testes e explore novas formas de colocar suas ideias no papel. Com treinamento e dedicação, seus textos ficarão com uma leitura mais fluida e personalizada.

Ler muito

Rafael conta que seu gosto pela leitura fez toda a diferença no resultado da redação da Fuvest. Por ter o hábito de ler diversos autores e gêneros textuais, inclusive poesia, o estudante conseguiu descobrir novas formas de se comunicar pela escrita.

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“A partir da literatura, do contato com diferentes obras e artistas, você vai adquirindo um pouco o seu próprio jeito de escrever. Foi dessa forma que eu aprendi a ter uma linguagem intencional, pensada e direcionada para aquilo que eu queria defender no meu texto.” 

Analisar outras redações

A última dica de Rafael é a leitura de outras redações que tenham tirado nota máxima. “Foi uma das coisas que eu mais fiz! Eu lia as redações com nota máxima da Fuvest, analisava cada uma e buscava entender como os candidatos construíam seus pontos de vista. Assim, fui me inspirando um pouquinho em cada um. Peguei várias influências e criei meu próprio estilo”, afirma o estudante. 

Confira a redação de Rafael Lara Nohmi, nota máxima na Fuvest em 2023:

Entre clima e capital

Vivemos no Antropoceno, recente era geológica criada a partir dos efeitos dos exponenciais impactos naturais causados pela intervenção antrópica: o homem, moldado pelo imediatismo e pelo ensimesmamento advindos do capitalismo neoliberal, quase como um vício neurológico, precisa, cada vez mais de alienar-se no seu consumo – droga (sic). Assim, sob o efeito alucinógeno do comprar, já não interessa o que ocorre ao seu redor e nem de onde veio sua mais nova aquisição – se sua origem é ecológica, de uma produção agroflorestal sustentável, ou se é predatória, da exploração de menores e da redução, por exemplo, de paisagens, como a mineira Serra do Curral, a pó (sic) pouco importa, afinal, a real diferença consiste no preço. E é exatamente nesse cenário de autodegradação e de agressão do meio que se constrói a chocante crise ambiental contemporânea, a qual desencadeia, em um contexto de assimetrias de poder, a questão dos refugiados climáticos, potencializada pela vulnerabilidade social, invisibilizada pela indiferença coletiva.

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De fato, em um sistema cujo funcionamento é asfixiado pelo postulado do dinheiro, é conveniente, para as elites dominantes mascarar tudo aquilo que pode por em cheque (sic) seus tão doces privilégios. Por isso, sob uma ótica marxiana, a invalidação da atual situação de catástrofe é um excelente “ópio do povo”. A partir da disseminação de “fake news” em um mundo de pós-verdade e do anticientificismo, desastres como os alagamentos avassaladores de Petrópolis em 2022 e a elevação dos níveis dos oceanos, devido ao derretimento de geleiras, são menosprezados e tidos como “comuns”, pois são parte dos “naturais” eventos do clima. Dessa forma, o êxodo de refugiados gerado por essas circunstâncias, apesar de ser maior que o de guerras e conflitos, é ocultado e diminuído, pois ter consciência dessa situação é ter prova concreta de que a ordem vigente é instável e, sadicamente, suicida. Logo, há um projeto político intencional de cegueira para com esses deslocados sobreviventes – tal alteridade desafia o “status quo”.

Ademais, nessa sociedade sedada pelo mantra “consumo, logo existo”, cria-se uma aceitação passiva dessa estrutura e desse tráfego (ou tráfico) humano, o qual, como grande parte das problemáticas sustentadas pelo capital, atinge especialmente os mais pobres. Isso ocorre porque, em áreas vulneráveis ambientalmente, aquelas que possuem melhores condições econômicas podem investir em tecnologias para retardar a necessidade de fuga. Porém, naquelas frágeis socioeconomicamente, como a África subsaariana e o Sul asiático, isso não é possível: ainda em processo de recuperação após o brutal espólio imperialista europeu, a expansão da desertificação e das inundações são fenômenos contra os quais é difícil resistir. Como conseguinte, sem acesso a condições básicas como água e com produtividade alimentícia comprometida, resta o escape desumanizante e injusto. E, então, nessa lógica, o indivíduo comum, sujeito político, por causa de seu compulsivo relacionamento com o possuir, verbo esse que gera aceitação e exibicionismo social, prefere fechar-se narcisicamente em si e blindar-se a essas absurdidades. Analogamente à descrição precisa de Drummond em seu poema “Inocentes do Leblon”, a expansão do deserto do Saara é irrelevante, assim como as brutalidades que ela provoca, pois o aquecimento global gera um calor agradável (sic) e um sol raiante (sic), perfeito para seus ingênuos “stories” do Instagram: a vida do outro pouco importa.

Portanto, é visível como o império do lucro e do consumo, causadores da trágica condição climática global, sob as mãos dos poderosos, mascaram a crise dos refugiados ambientais, vítimas desse esquema abusivo. Além disso, a vulnerabilidade social desses sujeitos catalisa e amplifica essa espantosa situação, a qual é ignorada pelo cidadão comum – para ele, a letargia psicotrópica do consumismo é mais prazerosa.

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