Violência Doméstica
Novos estudos sobre a Guerra Civil Espanhola mostram que a atuação popular nas retaguardas fez dos primeiros meses os mais mortíferos
Há 75 anos, no dia 17 de julho de 1936, uma facção de militares nacionalistas espanhóis começava em Mellila (no então protetorado do Marrocos) o levante que se espalhou pelo país e engatilhou três anos de Guerra Civil. Eles protegiam a coroa, o clero e elites, que, cinco anos antes, haviam perdido poder com a transição da monarquia para uma república dirigida por uma coligação de esquerda.
Meio milhão de pessoas morreram no conflito entre republicanos e nacionalistas, que culminou na ditadura fascista do general Francisco Franco (1939-1975). Mas a violência não se restringiu às linhas de frente. De todas as mortes, 180 mil foram nas retaguardas – em cidades e povoados. Isso se concentrou entre julho e dezembro de 1936, quando morreram 70% dos 130 mil republicanos executados e 80% dos quase 50 mil identificados como nacionalistas, diz o historiador José Luis Ledesma, da Universidade de Zaragoza.
A caça às bruxas envolveu toda a sociedade. Por meio de denúncias, colaboração com as autoridades e participação em milícias, pessoas comuns saldavam velhas dívidas. De um lado, os voluntários do partido da Falange foram peças-chave do fascismo cotidiano. Do outro, o enfraquecimento do Estado republicano levou o poder às ruas. Milícias anarquistas e socialistas atuaram nos primeiros meses sem comando centralizado e assim impuseram sua “justiça popular” – para Ledesma, a violência da zona republicana foi “uma cópia em negativo” do que ocorria entre os rebeldes falangistas. Somente a criação de tribunais em cada lado pôs um freio nas execuções.
TERROR REPUBLICANO
Os abusos cometidos pelos militantes de esquerda
Proliferação de “Fascistas” – Muitos colaboradores republicanos aproveitaram o clima
de vingança generalizado para incluir em suas listas negras o nome de antigos empregadores, ex-namoradas e concorrentes comerciais.
“Clericídio” – A Espanha em guerra foi o palco da maior matança de eclesiásticos da Europa contemporânea, com cerca de 6,8 mil vítimas. Na diocese de Barbastro, em Aragão, 123 dos 140 membros da Igreja foram assassinados.
Bombas e Vinganças – Bombardeios nacionalistas acarretavam represálias violentas em terra por parte dos republicanos. Terminado o ataque aéreo, uma multidão enfurecida invadia prisões e matava centenas
de fascistas detidos.
Paracuellos, o pior massacre – Em novembro de 1936, 2,5 mil prisioneiros nacionalistas foram fuzilados e enterrados numa fossa comum em Paracuellos del Jarama, ao lado do aeroporto de Madrid-Barajas. No regime franquista, os mortos viraram mártires.
TERROR NACIONALISTA
Abusos dos militantes de direita
O ESPIÃO MORA AO LADO – Os delatores se multiplicaram exponencialmente. Em Cazalla de la Sierra, Sevilha, um “vermelho” foi detido após chegar à casa dos pais de um companheiro de armas. O dedo-duro foi o vizinho. Acima, um anúncio de jornal estimula denúncias.
FALANGE AUTORITÁRIA – Em Castilblanco, em Extremadura, o chefe da Falange local assumiu o controle do povoado, praticando extorsões sistemáticas e fuzilando desafetos. Um dia depois de prender um suspeito, intimou sua esposa a comparecer ao quartel, onde foi obrigada a fazer a faxina.
BANDOS DE GUERRA – Nas cidades ocupadas pelos militares, mandados chamados “bando de guerra” autorizaram a execução de milhares de pessoas sem julgamento até fevereiro de 1937, quando foram criados os tribunais militares.
APOIO SOCIAL FORÇADO – Muitos moradores da zona nacionalista preferiam juntar-se aos fascistas a sofrer represálias. Assistir aos fuzilamentos públicos era um ato patriótico e o não-comparecimento era motivo suficiente para ser levado à Justiça Militar.