A excelente construtora de contos Clarice Lispector atingiu seu melhor momento no gênero em Laços de Família (1960). Em 13 narrativas, os temas recorrentes explicam o título do conjunto: os conflitos da vida familiar e suas implicações sentimentais – ressentimentos, incertezas, amores, desconfianças, segredos e os planos de felicidade. O universo da escritora, mais uma vez, estaria, aqui, vinculado a um plano existencial, moldado por um fluxo textual que foge às narrações tradicionais.
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O título não poderia ser mais adequado – e irônico – para representar o aprisionamento dos personagens do livro. Tema bastante explorado pela literatura moderna, o mundo doméstico é visto como um lugar de sufocamento, microcosmo de círculos sociais mais amplos e não menos tensos.
Clarice enriquece essa abordagem com os mais variados e inusitados contextos: uma mulher – sugerida pelo texto como uma portuguesa moradora do Rio – que deixa de lado seus afazeres (Devaneio e Embriaguez de uma Rapariga); uma dona de casa que se aflige quando fica sozinha em casa, longe do marido e dos filhos: sua vida interior, seus sentimentos verdadeiros, surge quando ela se depara com um cego em um bonde (O Amor); uma galinha que foge do abate para não virar o almoço de domingo de uma família e, ao botar um ovo e chocá-lo na fuga, é poupada temporariamente e torna-se respeitada (Uma Galinha); a insegurança e a fragilidade extrema de Laura, que hesita em enviar um buquê de rosas a uma amiga e reflete profundamente sobre esse ato (A Imitação da Rosa); o aniversário de uma mulher de 89 anos, que lamenta a mediocridade e as convenções da família e aguarda a morte (Feliz Aniversário); as observações de um pesquisador francês sobre uma pigmeia grávida (A Menor Mulher do Mundo); um homem que vê outro comendo em um restaurante e descreve suas sensações (O Jantar); uma menina de 15 anos que, antes fechada e avessa às pessoas, muda bruscamente de comportamento (Preciosidade); a distância e a frieza entre mãe e filha, genro e sogra e pai e filho em uma família típica (Laços de Família); a preocupação de um garoto em empregar seu dinheiro para enriquecer e sua conversa com o pai (Começos de uma Fortuna); as visões de uma menina depois de um jantar em família (Mistério em São Cristóvão); um homem que é convencido pela família a abandonar seu cachorro quando tem de mudar de cidade (O Crime do Professor de Matemática); uma mulher que, depois de ser deixada por alguém, tenta encontrar o ódio no olhar de algum animal no zoológico, mas reconhece apenas o amor neles em plena primavera – ela estaria presa, e os animais, livres (O Búfalo).
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O que une esses contos, além de relações familiares, seria o que a crítica identificou como “o instante decisivo” na obra de Clarice Lispector. É o momento em que o personagem se encontra com a razão da própria existência e enfrenta a necessidade de uma mudança abrupta de ação ou de pensamento. Seriam esses instantes a epifania, as revelações que têm fascinado uma legião de leitores de Clarice há décadas.
Título: Laços de Família
Autor: Clarice Lispector
Esse texto faz parte do especial “100 Livros Essenciais da Literatura Brasileira”, publicado em 2009 pela revista Bravo!
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