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“Ilíada”: resumo da obra de Homero

Épico fundador da tradição literária ocidental, obra ancora-se em um universo mítico que influenciou diversos campos das artes e do conhecimento

Por Luccas Diaz
13 mar 2023, 17h09

“Aira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades.”

Com esses versos inicia-se a “Ilíada“, que, junto com a “Odisséia“, ambas atribuídas a Homero, lançou as bases da literatura ocidental. Ao discorrer sobre uma realidade vasta e profunda, esses dois poemas épicos não só contribuíram para moldar uma nação e uma cultura mas também causaram impacto duradouro no que veio depois.

Como atesta a crítica literária Leyla Perrone-Moisés, Homero “é o autor mais referido por oito dos principais escritores-críticos modernos”. Para outro crítico, Otto Maria Carpeaux, “Homero compreende tudo: sol e noite, tragédia e humor […] o universo grego inteiro do qual é a bíblia e cânone estético, religioso, pedagógico e político, uma realidade completa.”

Composta de 24 cantos e quase 16 mil versos hexâmetros (versos constituídos de seis pés métricos), a “Ilíada” exibe uma precisão, uma beleza e uma unidade temática incomparáveis. Não é à toa que principie com a menção à ira sofrida pelo grego Aquiles, filho da deusa Tétis e do rei Peleu: a cólera do herói durante a Guerra de Tróia é o fator que desencadeia toda a ação.

Embora a batalha travada entre os gregos (aqueus) e os troianos (dárdanos) no século 12 a.C. tenha durado dez anos e remonte ao rapto de Helena pelo príncipe troiano Paris, o poema trata somente dos eventos que giram em torno de um único episódio ocorrido no penúltimo ano do embate: a rixa entre Agamêmnon, chefe militar dos aqueus, e Aquiles. Como afirma o professor Trajano Vieira, a guerra entre gregos e troianos é, no poema, “um aspecto de outra luta mais intensa, travada no interior dos próprios personagens”.

A ação, assim, começa em meio aos eventos. Aquiles zanga-se porque lhe privaram de sua escrava. Em um dos muitos saques praticados pelos aqueus em pequenas cidades da costa asiática, capturam-se duas jovens: Criseida e Briseida. Ambas se tornam escravas e são entregues, respectivamente, a Agamêmnon e a Aquiles.

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Sacerdote de Apolo, o pai de Criseida implora pela libertação aos gregos. Agamêmnon não só não atende ao pedido do homem como o humilha. Desonrado, o sacerdote pede a Apolo que interceda em seu favor, e o deus manda uma peste ao acampamento grego. Desesperados, eles recorrem a um vidente, que diz que Apolo só retrocederá se Criseida for devolvida ao pai. Sem opção, Agamêmnon restitui a escrava, mas exige que Aquiles lhe ceda Briseida. Furioso por ter de abrir mão da jovem, Aquiles abandona a guerra e pede que sua mãe Tétis interceda por ele. A deusa consegue de Zeus a promessa de que os gregos não triunfarão enquanto a injustiça contra o herói não for reparada.

Sem o apoio dos deuses e sem seu principal guerreiro, os gregos sofrem sucessivas derrotas no campo de batalha. Agamêmnon roga a Ulisses que vá à tenda de Aquiles e peça para que o herói retorne à guerra. Mesmo com a promessa da restituição de Briseida, Aquiles permanece impassível. O acontecimento que determina a volta de Aquiles à batalha é a morte de Pátroclo. Amigo de Aquiles, ele se engaja na guerra no comando dos mirmidões. O herói lhe empresta as próprias armas, mas pede a Patróclo que não se afaste dos limites do acampamento. Imprudente, o jovem descumpre a recomendação e avança até os muros de Tróia, onde enfrenta Heitor, príncipe e herói da cidade, que o mata.

Tomado mais uma vez pela ira, Aquiles dirige-se para Tróia, perseguindo e por fim trucidando Heitor. Com o coração pesado de dor, ele amarra os pés do troiano a seu carro e arrasta repetidas vezes o cadáver diante da cidade. Diante do horrendo espetáculo, Príamo, rei de Tróia, suplica que Aquiles lhe restitua o corpo do filho. Sensibilizado, o herói permite que o rei parta com o corpo de Heitor. Enfim, a ira de Aquiles é aplacada, resolvendo-se o motivo que deu origem à narrativa. Por isso é que se costuma dizer, desde Aristóteles, que a “Ilíada” se erige em torno de uma unidade de ação. O poema se fecha com os funerais de Heitor.

Origens a influências

Os mitos e lendas narrados por Homero na “Ilíada” decorrem de cantos surgidos por volta do século 10 a.C., na Jônia, atual Turquia. Essa tradição se moldou e difundiu em recitações promovidas durante eventos patrióticos, festividades religiosas e banquetes. A sociedade de tradição oral desse período venerava deuses e mitos, que explicavam o surgimento da vida, do mundo e dos elementos naturais. Era por meio deles que se construía a verdade sobre as instituições, os processos de trabalho e os padrões de comportamento. Todas as ações humanas significativas figuravam segundo o paradigma de algum mito.

Os deuses desses primórdios eram semelhantes aos homens, e estavam sujeitos às mesmas contingências. Sua única vantagem residia na imortalidade, mas mesmo eles se curvavam aos desígnios do destino. Na concepção desse mundo arcaico, deuses e homens faziam parte de um todo ordenado, um cosmo. O terreno natural e o humano se confundiam, não havendo limites distintos entre sociedade e natureza.

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Essa sociedade simbolicamente rica é o território de Homero. O historiador e filósofo Richard Tarnas disse a propósito da “Ilíada” e da “Odisséia“: “Aqui, na luminosa aurora da tradição literária ocidental, foi captada a sensibilidade mitológica primordial, onde os eventos da existência humana eram percebidos como intimamente relacionados ao reino eterno dos deuses e deusas e, dessa forma, por ele influenciados”.

Segundo Tarnas, Homero “independentemente da polêmica sobre sua existência histórica” foi “uma personificação coletiva de toda a memória grega antiga”. A condensação em suas epopéias desse universo mítico e desse prisma existencial influenciaria de forma definitiva o pensamento grego posterior. O poeta Hesíodo (século 8 a.C) e os dramaturgos Ésquilo e Sófocles (século 6 a.C.) foram profundamente marcados por esses princípios.

A filosofia surgiria, de certa maneira, como oposição aos esquemas míticos representados por Homero. A necessidade de explicar os fenômenos naturais por um ponto de vista que fosse além da crença nos mitos e nos deuses se fazia premente. Os filósofos pré-socráticos Tales de Mileto, no século 6 a.C., e seus sucessores Anaximandro e Anaxímenes foram alguns dos primeiros a procurar estabelecer conceitos e explicações a partir da observação de fenômenos naturais. Contudo, seguiam acreditando no entrelaçamento de divindades com a natureza.

Entre os séculos 5 a.C. e 4 a.C., os componentes mitológicos perderam sua posição central no pensamento grego, com a “teoria atômica” de Demócrito e a explicação da natureza segundo formas matemáticas de Pitágoras. Os filósofos sofistas defendiam a instrução e o conhecimento como caminhos primordiais na busca pela felicidade e autonomia humanas ” e condição para a plena participação do homem como cidadão da pólis, a cidade-estado grega. Avessos à aceitação acrítica da religião, acreditavam que a única verdade estava no próprio homem e no modo como este interpretava e julgava a existência.

A negação da tradição homérica expressa pelos sofistas teria o contraponto em Sócrates e Platão. Os dois filósofos, mestre e aluno, representaram a criação de uma complexa dicotomia entre a esfera divina e a experiência empírica, tornada científica. Na filosofia platônica não havia mais exclusão do divino diante do racional: à existência humana se impunha um propósito transcendental, e os grandes personagens mitológicos voltavam a ser valorizados como símbolos das ações humanas.

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Atravessando os tempos, a poesia de Homero “que remonta a um tempo alheio a racionalizações, mas prenhe de significados” chegou a nossos dias mantendo intacta sua prerrogativa de obra fundadora tanto da poesia quanto da ficção.

Afinal, quem foi Homero?

Estudiosos divergem sobre a origem do poeta e colocam em dúvida a autoria das obras a ele atribuídas. São muitas as hipóteses e poucas as conclusões que a história apresenta sobre a existência da figura de Homero. Teria nascido em Esmirna, atual Turquia, ou em alguma ilha do mar Egeu e vivido no século 8 a.C.

Mas sua origem é tão controversa que oito cidades disputam a honra de terem sido a terra natal do poeta.

Homero viveu numa era em que a tradição oral suplantava a literatura escrita. Mitos, lendas e feitos heróicos eram narrados por aedos ou rapsodos, os cantores das epopéias. Por isso, levantou-se a hipótese de as obras de Homero terem sido escritas por um conjunto de aedos e não por um único autor. Como argumento, os defensores dessa tese observam as constantes repetições e contradições que existem nos textos e o fato de estes virem vazados em diversos dialetos, com predomínio do jônio.

Criadas por um único autor ou vários, o fato é que na “Ilíada” e na “Odisséia” há características vivas da oralidade. Elas são encontradas na retomada de expressões fixas ao longo do texto, na repetição de cenas típicas e no predomínio da sintaxe por justaposição.

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A semelhança com os relatos orais não traz demérito à elaboração estética dessas obras, que apresentam brilhantes jogos onomásticos, lingüísticos e metafóricos. De acordo com Trajano Vieira, “diversos estudos antropológicos sobre culturas orais registram que a grande poesia oral é trabalhada muitíssimo antes de ser apresentada ao público, não sendo, pois, composta de improviso”.

Versões brasileiras

O Brasil tem boas versões da obra. Com características diferentes, três traduções feitas no país mostram os desafios do texto original. Das traduções ao português da obra de Homero, a mais antiga é a do maranhense Manuel Odorico Mendes, que se ocupou de verter as duas epopéias do poeta grego “além dos poemas de Virgílio” para a língua de Camões. Sua versão da “Ilíada” foi lançada em 1874.

Odorico Mendes preocupou-se em manter aspectos estilísticos do texto grego, usando, por exemplo, aglutinações e longas expressões hifenizadas para converter os epítetos e termos compostos de Homero. Mas impôs uma redução significativa das repetições características da obra. Nos 12 primeiros cantos da “Ilíada” de Odorico Mendes há 1,5 mil versos a menos que o original.

Em meados do século 20, Carlos Alberto Nunes teve o cuidado de manter as repetições e descrições pormenorizadas do poema. Mas acabou deformando o estilo homérico com uma transliteração baseada em um verso pesado de 16 sílabas.

Uma das traduções mais recente é a do poeta Haroldo de Campos. Resultado de mais de uma década de trabalho, ela procurou manter a dicção homérica, com seus efeitos sonoros e repetições. “O apuradíssimo labor verbal de Homero encontra, na tradução de Haroldo de Campos, correspondências surpreendentes”, enfatizou Trajano Vieira no ensaio ao primeiro volume.

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Título: Ilíada
Autor: Homero

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Esse texto faz parte do especial “100 Livros Essenciais da Literatura Mundial”, publicado em 2009 pela revista Bravo!

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