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Análise: redação nota 1000 no Enem referenciou quadro de Portinari

Professora de redação comenta as escolhas textuais feitas pela estudante em cada parágrafo do texto

Por Luccas Diaz
Atualizado em 6 Maio 2022, 09h30 - Publicado em 6 Maio 2022, 09h00

A estudante Giovanna da Silva Gamba Dias, 19, de Recife (PE), foi uma dos 22 candidatos que obtiveram a pontuação máxima na redação do Enem 2021. O tema do texto proposto na edição foi “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”.

Seguindo o padrão de dissertação argumentativa cobrado pelo exame, Giovanna discorre sobre o tema em quatro parágrafos e traz como principal referência a obra “Retirantes”, de 1944, do artista brasileiro Candido Portinari. A partir do quadro, a estudante conecta ao tema os pensamentos de teóricos contemporâneos na área da filosofia, sociologia, história e economia.

Para analisar os caminhos utilizados pela candidata em cada parágrafo, o GUIA DO ESTUDANTE convidou Maria Catarina Rabelo Bozio, coordenadora e professora de Redação do Poliedro Colégio São José dos Campos (SP).

+ Enem 2021: confira espelhos de redações nota 1000

Confira a redação nota 1.000 de Giovanna Dias na íntegra abaixo e em seguida os comentários da professora sobre as escolhas da estudante em cada parágrafo.

Redação 1000 Enem 2021 - Giovanna Dias
(Giovanna Dias/Reprodução)

Introdução

Em sua obra “Os Retirantes”, o artista expressionista Cândido Portinari faz uma denúncia à condição de desigualdade compartilhada por milhões de brasileiros, os quais, vulneráveis socioeconomicamente, são invisibilizados enquanto cidadãos. A crítica de Portinari continua válida nos dias atuais, mesmo décadas após a pintura ter sido feita, como se pode notar a partir do alto índice de brasileiros que não possuem registro civil de nascimento, fatos que os invisibiliza. Com base nesse viés, é fundamental discutir a principal razão para a posse do documento promover a cidadania, bem como o principal entrave que impede que tantas pessoas não se registrem.

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Ao iniciar o texto dissertativo argumentativo, é bastante estratégico que seja apresentada uma contextualização que se utilize de um repertório sociocultural legitimado pelas áreas do conhecimento e pertinente ao tema em questão. No texto, a introdução é eficaz nessa técnica ao mencionar a obra “Os Retirantes”, de Cândido Portinari, e conectá-la produtivamente às ideias que estarão presentes no desenvolvimento da redação. No caso, apresenta-se uma temática a ser desenvolvida de maneira central: a condição de desigualdade, diretamente ligada à invisibilidade dos cidadãos. Além disso, a problematização que conecta a condição presente na pintura citada ao contexto atual apresenta, também, um recorte que alude ao tema central da redação do Enem 2021: “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. Isto é, ao refletir sobre o “alto índice de brasileiros que não possuem registro civil de nascimento, fato que os invisibiliza”, são incluídas, na sequência, as informações que contemplam o posicionamento a ser defendido no texto: o motivo de o documento promover a cidadania e o principal entrave que impede tantas pessoas de se registrarem. Nesse caso, pela apresentação de duas informações centrais, identificamos uma tese bipartida e um indício de projeto de texto que pretende dividir cada ideia em um parágrafo de desenvolvimento.

Desenvolvimento 1

Com efeito, nota-se que a importância da certidão de nascimento para a garantia da cidadania se relaciona à sua capacidade de proporcionar um sentimento de pertencimento. Tal situação ocorre, porque, desde a formação do país, esse sentimento é escasso entre a população, visto que, desde 1.500, os países desenvolvidos se articularam para usufruir ao máximo do que a colônia tinha a oferecer, visando ao lucro a todo custo, sem se preocupar com a população que nela vivia ou com o desenvolvimento interno do país. Logo, assim como estudado pelo historiador Caio Prado Júnior, formou-se um Estado de bases frágeis, resultando em uma falta de um sentimento de identificação como brasileiro. Desse modo, a posse de documentos, como a certidão de nascimento, funciona como uma espécie de âncora, para uma população com escasso sentimento de pertencimento, sendo identificada como uma prova legal de sua condição enquanto cidadãos brasileiros.

Como sugerido pelo posicionamento apresentado na introdução, a primeira etapa do desenvolvimento é apresentada no segundo parágrafo, em que se assume como reflexão principal a capacidade do registro civil de prover o sentimento de pertencimento e, consequentemente, o acesso à cidadania. Na investigação das origens desse processo, fica evidente a alusão à história brasileira, formada a partir de bases frágeis, em função da qual a posse de documentos pode ser responsável por garantir a percepção e a prova legal da condição de cidadão. Nesse parágrafo, a referência ao historiador Caio Prado Júnior é responsável por sustentar essa linha argumentativa que comprova a adesão a um projeto de texto estruturado, com a expansão e a sustentação das ideias sem lacunas na construção do raciocínio explicativo.

Desenvolvimento 2

Ademais, percebe-se que o principal entrave que impede que tantas pessoas no Brasil não se registrem é o perfil da educação brasileira, a qual tem como objetivo formar a população apenas como mão de obra. Isso acontece, porque, assim como teorizado pelo economista José Murilo de Carvalho, observa-se a formação de uma “cidadania operária”, na qual a população mais vulnerável socioeconomicamente não é estimulada a desenvolver um pensamento crítico e é idealizada para ser explorada. Nota-se, então, que, devido a essa disfunção no sistema educacional, essas pessoas não conhecem seus direitos enquanto cidadãos, como o direito de possuir um documento de registro civil. Assim, a partir dessa educação falha, forma-se um ciclo de desigualdade, observada no fato de o país ocupar o 4º lugar entre os países mais desiguais do mundo, segundo o IBGE, já que, assim como afirmado pelo sociólogo Florestan Fernandes, uma nação com aceso a uma educação de qualidade não sujeitaria seu povo a condições de precária cidadania, como a observada a partir do alto número de pessoas sem registro no país.

A habilidade de articulação entre os argumentos fica ainda mais evidente no início do terceiro parágrafo, pois a candidata o inicia com o elemento coesivo aditivo “ademais”, relacionando as informações entre parágrafos de forma pertinente com o que foi proposto na introdução. Nesse sentido, é válido ressaltar que, em todo o texto, o uso de articuladores argumentativos é feito a partir de escolhas pertinentes e adequadas aos contextos em que estão inseridos. A respeito do argumento em si, assim como previsto pelo posicionamento explicitado na introdução, a segunda etapa argumentativa presente neste terceiro parágrafo é responsável por buscar o entrave ao registro civil. Nesse processo, a participante recorre à noção da “cidadania operária”, a partir da qual não se estimula o desenvolvimento de um pensamento crítico responsável pelo reconhecimento dos direitos enquanto cidadãos e que perpetua um ciclo de desigualdade. Vale ressaltar que essa argumentação é ancorada em pesquisadores pertinentemente associados ao tema, como é o caso de José Murilo de Carvalho e Florestan Fernandes. Dessa forma, além de embasar seu posicionamento, Giovanna também retoma a ideia central inserida na introdução a partir da menção à obra de Portinari.

Conclusão

Portanto, observa-se que a questão do alto índice de pessoas no Brasil sem certidão de nascimento deve ser resolvida. Para isso, é necessário que o Ministério da Educação reforce políticas de instrução da população acerca de seus direitos. Tal ação deve ocorrer por meio da criação de um Projeto Nacional de Acesso à Certidão, a qual irá promover, nas escolas públicas de todos os 5.570 municípios brasileiros, debates acerca da importância do documento de registro civil para a preservação da cidadania, os quais irão acontecer tanto extracurricularmente quanto nos aulas de sociologia. Isso deve ocorrer, a fim de formar brasileiros que, cientes do seus direitos, podem mudar o atual cenário de precária cidadania e desigualdade.

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A conclusão do texto dissertativo é iniciada por um período que alude à necessidade de resolução da problemática. Na continuidade do parágrafo, faz-se presente a etapa exigida no estilo de dissertação argumentativa cobrada pelo ENEM: a proposta de intervenção detalhada. Os elementos obrigatórios estão todos presentes, a saber: agente (Ministério da Educação); ação (reforce políticas de instrução da população acerca de seus direitos); modo/meio (criação de um Projeto Nacional de Acesso à Certidão); detalhamento (nas escolas públicas de todos os 5.570 municípios brasileiros, debates acerca da importância do documento de registro civil para a preservação da cidadania, os quais irão acontecer tanto extracurricularmente quanto nos aulas de sociologia); efeito (a fim de formar brasileiros); detalhamento (que, cientes do seus direitos, podem mudar o atual cenário de precária cidadania e desigualdade). Ao retomar as questões da cidadania e da desigualdade na finalização do texto associando-as ao papel das escolas no rompimento do ciclo mencionado, a candidata concretiza o pleno desenvolvimento das ideias necessárias para a sustentação do posicionamento e evidencia o cumprimento do projeto de texto enunciado.

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