Decolonialidade, decolonialismo ou pensamento decolonial. Já ouviu falar desses termos?
Cada vez mais explorado, esse é um campo de estudo recente na área das Ciências Sociais, que traz uma abordagem diferente da história. Em vez de retratar os acontecimentos da forma como os aprendemos, com o foco na Europa Ocidental, a decolonialidade conta os mesmos eventos a partir da perspectiva de povos que foram oprimidos em termos culturais, econômicos, sociais e religiosos. Isso inclui sociedades latino-americanas, africanas e indígenas – e, claro, nós aqui no Brasil.
Por registrar uma visão crítica sobre o passado e sobre as sequelas que dele decorrem, esse pensamento pode ser usado como repertório nas provas de redação dos vestibulares, seja na análise ou na argumentação de temas diversos.
Para que você entenda melhor o seu significado e se aprofunde no assunto, o GUIA DO ESTUDANTE conversou com Arthur Medeiros, coordenador de Redação do Curso Poliedro, Marcia Maisa Pelachin, coordenadora de redação do Colégio Rio Branco, e ainda reuniu exemplos práticos de como explorar o pensamento decolonial em suas dissertações. Confira:
Contexto histórico
Para entender o que é o decolonialismo é preciso dar alguns passos para trás e entender o colonialismo, prática que consiste no domínio de um povo sobre outro, e o contexto histórico do surgimento dessa prática.
Durante o período das Grandes Navegações, diversos países da Europa queriam expandir seus territórios e, para isso, procuraram por terras para além do continente europeu. Algumas nações se destacaram e tiveram sucesso em suas explorações, e, ao chegar em outros continentes, criaram uma relação de domínio e suposta superioridade. As chamadas metrópoles passaram a controlar e explorar recursos naturais, a mão de obra, o capital e até impactar os costumes e traços culturais das colônias. Foi o caso de Portugal, que colonizou o Brasil, ou da Espanha que colonizou México e a Argentina, ou da Inglaterra que colonizou a Índia e a África do Sul, entre muitos outros.
Assim, a colonialidade construiu a ideia de que tudo aquilo que é originário dos povos colonizadores (ou seja, europeus) é melhor, mais sofisticado e que, portanto, deve ser mais valorizado do que a história e a cultura dos povos colonizados. Mais do que isso, trata-se também do domínio que a perspectiva europeia impõe sobre a própria história dos colonizados, sobretudo latino-americanos e africanos.
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Mesmo com o fim do domínio territorial dessas nações e do colonialismo, os desdobramentos e consequências das práticas da época deixaram seus resquícios. Uma série de países, como o Brasil, foram influenciados cultural, religiosa e economicamente pelos europeus, muitas vezes, apagando ou desconsiderando suas próprias raízes indígenas, latinas ou africanas.
O decolonialismo surge, então, como uma alternativa para enxergar essas questões – além de dar visibilidade a povos e culturas silenciados durante séculos. Como uma forma de resistência, a ideia é desconstruir padrões e perspectivas impostas, promovendo autonomia e liberdade em termos sociais, culturais, políticos, religiosos e econômicos às nações como um todo, mas também em uma esfera micro, a indivíduos, grupos e movimentos sociais.
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Qual é a importância do pensamento decolonial?
O pensamento ou atitude decolonial considera que a sociedade foi construída a partir das violências do processo de colonização – como o genocídio indígena, a escravização dos povos africanos e a submissão de seus descendentes a um sistema que privilegiou, por séculos, os interesses europeus. Decolonizar é, portanto, um movimento de apropriação da história e da cultura a partir da perspectiva histórica dos povos oprimidos.
Ter uma atitude decolonial seria, por exemplo, questionar a imagem que foi construída dos indígenas como um povo supostamente “preguiçoso”, que “só quer mais e mais terras”. Quem foram as pessoas que afirmaram que indígenas são preguiçosos? Os colonizadores portugueses que queriam escravizá-los. Por que indígenas querem demarcar territórios? Porque eles foram tirados de suas terras com a chegada dos europeus.
A partir desse questionamento, é possível entender que boa parte do que entendemos atualmente é uma construção histórica feita a partir do ponto de vista europeu – e que o povo brasileiro não é europeu, tem uma história diferente da deles.
Outro exemplo seria entender que a música nacional – como o samba e o funk – são criações tão criativas e sofisticadas quanto o pop, o rock ou a música clássica. Ou, ainda, questionar o padrão de beleza centrado em fenótipos do norte da Europa, como cabelos loiros e olhos azuis, e entender que o fenótipo negro, de pele escura e cabelos cacheados, tem o mesmo valor estético.
Como usar conceitos de decolonialidade na redação?
Questionamentos como esses podem ser aproveitados na redação de vestibular porque demonstram um olhar crítico sobre a realidade social, a cultura e a história – o que é um dos critérios de avaliação de muitas das principais bancas avaliadoras.
De forma geral, esse conceito tende a ser pertinente em todos os recortes temáticos que se baseiam em relações de poder historicamente construídas, sobretudo quando há implicações culturais e étnico-raciais. Segundo Arthur Medeiros, coordenador do Poliedro, questionar essas estruturas é uma habilidade importante para aquele que deseja fazer uma redação crítica – e também para aquele que entende a necessidade de justiça social em face das desigualdades que se reproduzem já há alguns séculos.
Confira dois exemplos práticos de como o pensamento decolonial poderia ser explorado para mostrar um repertório cultural aguçado na redação:
Fuvest 2019
No tema de redação de 2019, a Fuvest perguntou aos candidatos “de que maneira o passado contribui para a compreensão do presente?”. O estudante que dominasse o conceito de decolonialidade poderia, por exemplo, argumentar que a compreensão crítica do passado de colonização (ou seja, o pensamento decolonial) é capaz de abrir portas para que os grupos historicamente marginalizados entendam as causas de sua posição inferiorizada na sociedade e consigam lutar para garantir sua igualdade social.
Enem 2022
No Enem de 2022, que tematizou os “desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”, o conceito de decolonialidade também poderia ser usado para mostrar o repertório sociocultural do candidato, uma vez que o problema proposto, isto é, a desvalorização desses povos, é um fruto do pensamento e da atitude colonialista.