No Oscar 2021, entre os finalistas de melhor filme estrangeiro, estava o bósnio “Quo Vadis, Aida?” (2020). Para muitos críticos, era o melhor da categoria, embora não tenha ficado com a estatueta. Ganhador do prêmio da Academia Europeia de Cinema, o filme traz com crueza impressionante a realidade dos “massacres étnicos” que marcaram a guerra de desagregação da Iugoslávia, nos anos 1990. Para quem se prepara para o vestibular, dá um retrato profundo do aterrador conflito, com base num episódio terrível: o massacre na pequena cidade de Srebrenica, na Bósnia, em julho de 1995.
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A protagonista Aida (a excelente atriz Jasna Djuricic) trabalha como tradutora para as forças das Nações Unidas que guardam Srebrenica, localidade com o status de zona de segurança da ONU em meio à guerra. O filme começa com a cidadezinha sob ataque das forças sérvias, e, diante de sua iminente ocupação, há uma debandada da população bósnia, que busca abrigo na vizinha base militar das tropas da ONU, comandada por oficiais holandeses.
Aida desenvolve seu trabalho intermediando as conversas dos militares da ONU com a população bósnia e com os chefes sérvios. À medida em que a situação se agrava, Aida tenta desesperadamente achar meios de salvar seu marido e seus dois filhos de um possível extermínio.
Desagregação da Iugoslávia
A ação do filme transcorre num espaço de tempo de poucos dias. O episódio acontece em meio à primeira guerra ocorrida em solo europeu depois de 1945 (final da Segunda Guerra Mundial), iniciado quando as repúblicas da Eslovênia e da Croácia declaram independência da Iugoslávia, em 1991. No ano seguinte, um plebiscito aprova a independência da Bósnia-Hezergóvina, e uma violenta guerra civil se inicia, tendo o seu final apenas em novembro de 1995, com a intervenção externa de forças da Otan (aliança militar ocidental).
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A Iugoslávia viveu sob um regime comunista de partido único desde 1945. Com a queda do Muro de Berlim (1989) e a crise geral dos regimes do leste europeu no período, iniciou uma transição para a economia de mercado e se fragmentou, dando origem a seis países independentes hoje em dia: Sérvia (que buscou manter um domínio sobre os vizinhos), Eslovênia, Croácia, Bósnia-Hezergóvina, Montenegro e Macedônia do Norte. Há ainda o território de Kosovo, sob controle da Sérvia, que busca autonomia.
No momento da independência, a Bósnia era um território cuja população contava com uma expressiva minoria sérvia (31%) que não queria se separar da própria Sérvia – os bósnios eram 44% e os croatas, 17%. De fato, embora seja uma população que fala o mesmo idioma, o servo-croata (com pequenas diferenças que recebem os nomes de língua croata, bósnia e sérvia), há segmentos com tradições específicas e identidade religiosa diferenciada – os bósnios são majoritariamente muçulmanos; os sérvios, cristão-ortodoxos; e os croatas, católicos.
No contexto da desagregação do país e de disputa de grupos por tomar posse da até então propriedade estatal existente, as diferenças culturais e históricas foram manipuladas – como se existissem diferenças “étnicas” entre as pessoas – de modo a fazer antigos vizinhos e amigos se matarem de forma cruel.
No caso da guerra civil na Bósnia, formaram-se bandos armados e exércitos com base na população sérvia para assumir o controle do território. Grupos extremistas sérvios, como os chetniks, massacravam a população bósnia. Houve “limpeza étnica” dos dois lados, mas os sérvios a praticaram em larga escala, a partir do apoio direto que recebiam do governo da Sérvia (o então presidente Slobodan Milosevic, acabou preso por crimes de guerra em 2001).
Assassinatos em massa
Em Srebrenica, após dominar o território e se impor pela força à tropa da ONU, os grupos armados sérvios assassinaram mais de 8.000 homens bósnios – de meninos a idosos. Terrível crime de guerra, considerado como “massacre de Srebrenica” e até “genocídio de Srebrenica”, resultou na prisão, em 2011, e na condenação à prisão perpétua, em 2017, pelo Tribunal Internacional de Haia, do general Ratko Mladic, comandante da ação (e um dos principais personagens do filme).
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Um grande mérito da obra é dar face humana a um evento geopolítico de importância na atualidade, aproximando a compreensão do horror envolvido no conflito para qualquer pessoa que o assista. A diretora Jasmila Zbanic (também responsável pelo roteiro e produção), nascida em Sarajevo, na Bósnia, tinha 17 anos quando a guerra civil começou e viveu de perto a sua devastadora realidade.
Outro ponto forte do filme é mostrar, de maneira clara, a impotência das forças de paz da ONU para lidar com um grupo armado sem nenhum freio diplomático, amarradas pela preocupação do país que a comandava (a Holanda, no caso) em não se antagonizar com o governo da Sérvia.
De forma discreta, mas significativa, o filme chama a atenção para o convívio pacífico das pessoas em Srebrenica, antes e depois do conflito, independentemente de sua identificação com esse ou aquele grupo populacional. Como professora, Aida revela carinho e interesse por seus alunos, sem qualquer distinção. O trauma dos crimes de guerra, porém, dificilmente será apagado antes que o tempo renove as gerações.
“Quo Vadis, Aida?” é uma obra forte e magnífica, que acrescenta muito para quem busca compreender de forma ampla o mundo atual.
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