O mercado de Jornalismo está em crise? Qual seu futuro?
Esta semana recebemos aqui no Guia do Estudante uma dúvida da leitora Luana dos Santos que é bastante relacionada à nossa realidade profissional: como será o mercado de trabalho em Jornalismo no futuro?
“Olá, me chamo Luana tenho 18 anos e sou de Salvador, na Bahia. Já terminei meu ensino médio e, como muitos jovens, tenho várias dúvidas sobre qual profissão seguir, sempre achei que Jornalismo fosse a grande paixão da minha vida, e realmente é, mas tenho visto que vários estudantes contam que é uma área difícil de conseguir empregos e que as redações de jornais estão cada vez menores. Minha pergunta é: como será o mercado de Jornalismo no futuro? Quais profissões seguir nessa ou em uma área parecida? O que fazer para ser um editor de um jornal, repórter ou um correspondente internacional?”
Bom, Luana, vamos lá – e vamos por partes. Em primeiro lugar, fique tranquila! Você não está sozinha nessa! Nós, jornalistas, fazemos questionamentos como os seus todos os dias. Afinal, trata-se não só do futuro da profissão, mas também das nossas carreiras. Ao longo da faculdade, nunca deixei de me perguntar: será que terei um emprego legal quando for formada? Será que existirá espaço para mim no mercado de trabalho? Mas, depois de muito quebrar a cabeça com o assunto, acredito que com força de vontade e descobrindo qual é a minha área, o que gosto de fazer e o que não me interessa, isso virá naturalmente.
Agora, uma notícia não tão legal assim: de fato, o mercado passa por uma crise. Os jornais e as revistas impressas deixaram de ser as principais fontes de informação das pessoas, e os grandes veículos jornalísticos ainda estão aprendendo a lidar com a mudança no perfil do consumidor e tentam estabelecer um novo modelo de negócios que seja rentável. Pois é, para que a produção de periódicos mantenha seu ritmo, é necessário que os produtos se sustentem e tragam lucro. E, como você já deve ter notado, isso se dá através da publicidade, área que ainda é um campo minado para as empresas de comunicação. Quanto mais o jornal vende, mais anúncios e mais verbas entram. Se algo vai mal nesse esquema começam as complicações. Com a expansão do alcance da internet, as notícias passaram a chegar muito mais rápido ao consumidor, que tem agora acesso a elas – gratuitamente – bem antes de ir à banca para comprar um jornal ou esperar a revista por assinatura chegar à sua casa. Com isso, as corporações precisam repensar os objetivos de suas publicações, além de traçar um modo de bancar seu conteúdo online, já que poucas pessoas pagam por informação na internet.
Porém, dá para perceber que a tão falada crise do Jornalismo tem muito mais a ver com as empresas do que com o profissional em si, já que, se as informações estão disponíveis na rede, é porque existe um jornalista indo atrás delas, checando, apurando e dando luz aos fatos. Então, vamos à parte boa: a internet ampliou as possibilidades de carreira para os jornalistas. Ninguém precisa trabalhar em uma redação clássica com pauteiro, repórter, repórter especial, editor e chefe de reportagem – a não ser que sonhe com isso, claro. Um jornalista pode contar histórias através de vídeos, infográficos, textos em blogs e em projetos pessoais, fotografias etc. Basta um pouquinho de imaginação, familiaridade com a rede, vontade de experimentar e estar atento ao mercado – inclusive para estudar formas de financiamento para as iniciativas online.
Quem explica isso direitinho para a gente é o Otavio Cohen, repórter do site da Superinteressante e responsável pelas redes sociais da publicação. Ele, que acredita que o combo vídeo + internet pode salvar o Jornalismo, se formou em Rádio e Televisão pela UFMG, mas tomou gosto pelas informações e histórias e ingressou no mercado jornalístico assim que entrou na faculdade. Otavio está na Super desde 2011, mas já foi repórter, produtor, editor, trabalhou em TV, portal de notícias, jornal impresso tradicional, cobriu editorias de cultura, nacional, polícia, internacional, e (ufa!) até celebridades.
Confira seu depoimento!
Otávio Cohen, repórter do site da Superinteressante:
“Oi, Luana, tudo bem? É verdade o que andam dizendo por aí: existe mesmo uma crise no Jornalismo. Algumas redações estão ficando mais enxutas com o tempo, e existe uma onda chata de demissões que assusta qualquer pessoa que esteja chegando agora na profissão. Grandes empresas, que dominaram o ramo no passado, estão ruindo diante da impossibilidade de lidar com a modernidade. Mas uma coisa tem que ficar muito clara: a crise está no negócio, não na necessidade de tratar e divulgar informações. A verdade é que ninguém encontrou ainda uma solução definitiva para afastar do jornalismo essa sombra que deixa muitos vestibulandos em dúvida – e que acaba levando muitos grandes repórteres em potencial pra longe da carreira. Mas há alguns caminhos possíveis.
Pra começar, se existe alguma característica que junta quase todos os jornalistas, é a vocação por contar histórias. Imagine um caso verídico que você acha que o mundo precisa saber. Agora, pense em quantas maneiras essa história pode ser contada. Você pode simplesmente escrever um texto. Ou contá-la em fotografias. Ou fazer um vídeo, cruzando dados, entrevistas e curiosidades. Ou ainda montar um infográfico (com a ajudinha de um designer e, quem sabe, um ilustrador). A sua história pode estar no papel, distribuída de mão em mão na rua, ou aparecer no rádio, ou numa TV. Ou você pode explorar todas as possibilidades que a internet dá. Ok, parece uma versão bem bobinha e simplificada da realidade. Mas já dá pra perceber, só com essa descrição, que o jornal não é a única maneira de um jornalista mostrar seu trabalho e contar as histórias que ele acha que merecem ser contadas. As possibilidades são praticamente infinitas – e uma boa história vai sobreviver a qualquer crise.
Mas, claro, a gente tem contas para pagar no final do mês. Então, como é que um jornalista “do futuro” vai ganhar dinheiro, se as redações pararem de contratar, os jornais fecharem e as emissoras de TV falirem? A princípio, é importante ficar de olho no mercado. Parece uma tarefa meio chata. E é mesmo, mercado é um assunto meio árido, que segue uma lógica própria (ou, às vezes, lógica nenhuma). Mas essa observação pode dar algumas dicas sobre o futuro. A partir delas, dá pra ver que, aos poucos (bem aos poucos mesmo), a internet começa a dar dinheiro. Não é para qualquer um. Todo dia, uma empresa de jornalismo digital fecha as portas por falta de planejamento, ou por puro azar, mesmo.
O problema que temos que enfrentar é o mesmo, e se chama “modelo de negócios”. Esse é apelido bonito que o mercado dá para ˜jeito de ganhar dinheiro˜. Normalmente, o dinheiro de uma grande empresa de comunicação vem da publicidade. É por isso que os jornais e revistas têm tantos anúncios. Você já reparou que esses produtos também são pagos, né? Você precisa abrir a carteira se quiser comprar qualquer coisa na banca. Na internet brasileira, pouca gente paga por conteúdo. Por isso, as empresas digitais sofrem bastante pra conseguir dinheiro pra bancar a operação, pagar os funcionários etc. Se entra pouco dinheiro, as empresas de publicidade preferem não arriscar muito divulgando seus produtos na internet. Sem dinheiro de publicidade, a solução é sempre apertar os cintos e deixar de contratar mais gente. Basicamente, a crise começa aí.
>> Saiba mais sobre a carreira em Jornalismo
Mas algumas conseguem encontrar as galinhas dos ovos de ouro. A solução pode ser reunir jornalismo e entretenimento, por exemplo. O Buzzfeed, um site gigantesco, tem dezenas de testes do tipo “Que personagem é você?” e galerias de imagens de gatos. Mas também tem grandes textos que inspiram pessoas, grandes reportagens que abordam temas importantes como política e direitos humanos. São histórias que merecem ser contadas. Você só precisa encontrá-las lá no meio. Milhões de pessoas acessam o site todos os dias. A publicidade acha que vale a pena divulgar produtos ali naquele site, já que os anúncios serão vistos por muita gente. E a conta fecha no fim do mês. Aqui no Brasil, as maiores empresas de comunicação ainda estão se esforçando para encontrar o caminho de sucesso que o BuzzFeed trilhou. A saída pode ser focar nessas empresas, tentar conhecê-las melhor, suas fraquezas e suas qualidades, e alinhar as suas habilidades jornalísticas a elas.
Isso significa que é preciso ter foco. Há muitas possibilidades no jornalismo. Um correspondente de guerra de TV fez uma carreira bem diferente de um crítico de filme, por exemplo. Por isso, um passo essencial é encontrar a vocação dentro da profissão e investir tempo (e dinheiro) nela. Um repórter que deseja cobrir conflitos no Oriente Médio pode aprender árabe, e sairá na frente. Esse é só um exemplo – e um caminho natural em qualquer profissão tão ampla quanto a nossa. A jornada pode ser longa. Um grande editor de jornal certamente começou de baixo. Nas redações de jornal, normalmente o início da carreira corresponde ao perrengue diário da apuração de notícias gerais, cobertura de casos de polícia e ocorrências simples. Há outras portas de entrada, é claro. E, se você mudar de ideia no meio do caminho, também não é o fim do mundo. Pelo contrário.
Nos últimos anos, vi muitos colegas deixando as redações, convencidos de que os desafios de uma grande empresa não eram para eles. Jornalistas costumam ser criativos e têm um grande senso se sobrevivência. E normalmente têm uns dois ou três projetos paralelos na manga. Pode ser um blog de culinária, um livro sobre uma volta ao mundo, o roteiro de um jogo jornalístico. Existe jornalismo fora da redação – e tem gente que só se sente completo assim, sem chefes, sem horários. Há prós e contras, é claro. A oscilação do mercado continuará e as contas não vão parar de chegar. Mas, mesmo diante de todo contexto de crise, sempre haverá espaço para as boas histórias. E nunca faltarão vagas para quem souber contá-las.”
__________________
Quer que a sua dúvida sobre profissão também seja respondida aqui no blog? Envie um e-mail para consulte.ge@abril.com.br com o assunto “Dúvida sobre Profissão”. Sua pergunta pode aparecer por aqui também!