Censura. É desta forma que a Companhia das Letras, responsável pela publicação do livro “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, classificou a decisão da Universidade de Rio Verde (UniRV), em Goiás, de retirar a cobrança da obra do seu vestibular para o curso de Medicina.
A universidade optou por excluir o livro do autor brasileiro Marçal Aquino do exame após pressão do deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), que publicou em suas redes sociais um vídeo denunciando um suposto caráter “pornográfico” na narrativa. O escritor é um dos mais relevantes autores contemporâneos brasileiros e já ganhou o Prêmio Jabuti.
A própria universidade reconheceu a relevância de “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, cobrado em outros concursos, mas afirma ter optado pela exclusão após a polêmica.
Para a Academia Brasileira de Letras (ABL), a universidade “cedeu a pressões políticas obscurantistas”.
Em 2016, o GUIA DO ESTUDANTE recebeu uma resenha do livro, escrita pela leitora Beatriz Milanez – que, na época, tinha 19 anos e estudava jornalismo na Unesp.
Confira sua análise do livro:
“Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios”
O nome comprido, poético e paradoxal pode assustar quem não conhece a história do autor brasileiro (também escritor, jornalista e roteirista). Os que se recusam a ler mais um romance clichê vão se surpreender ao trombar com Cauby e Lavínia em “o amor é sexualmente transmissível” – a primeira parte do livro.
A trama, a princípio, é contada sob o ponto de vista de Cauby, um jovem fotógrafo paulistano, viajado e apreciador de música clássica. Considerado galã, ele chama atenção pelo estilo despojado e liberal – possui até plantação de maconha no quintal de casa. Cauby levava uma vida financeiramente estável com a fotografia, mas resolve deixar tudo para trás e ir para o norte do país, com a pretensão de viver novas experiências. No interior do Pará, passa a atuar como o único fotógrafo de certa cidadezinha, fazendo bicos para o jornal local e fotografando paisagens.
Sua narrativa mistura passado e presente: entre flashbacks não pontuados, ele conta que, numa dessas observâncias, se deparou com a beleza e o mistério de Lavínia. Bastou uma troca de olhares para a faísca entre eles acender e se alastrar. Ele se encontrou fascinado pela mulher, que, de personalidade forte e humor volátil, era casada com o Pastor da cidade.
O gosto em comum pela fotografia e a paixão intensa, entretanto, acaba por uni-los. Apaixonado, o casal protagoniza cenas tórridas de amor, que transbordam tesão e poesia. Mas, de antemão, o leitor é avisado de que sua história com Lavínia estava fadada ao fracasso. E fracassou. Em meio a esse ardente envolvimento, ainda, a cidade passava por momentos de conflito por uma corrida do ouro: garimpeiros versus donos de garimpo.
Ademais, Marçal Aquino ainda cria uma obra paralela – ‘O Que Vemos no Mundo: Um Tratado sobre o Amor Humano, de Benjamim Schianberg’ –, lida e citada inúmeras vezes pelo fotógrafo. O leitor, além de ser arrebatado pelo romance, será atiçado pela vontade de ter em mãos os ensinamentos do terapeuta fictício: “Queremos o que não podemos ter, diz o professor Schianberg, o mais obscuro dos filósofos do amor. É normal, saudável. O que diferencia uma pessoa de outra, ele acrescenta, é o quanto cada um quer o que não pode ter. Nossa ração de poeira das estrelas.”
O autor constrói as personagens de forma profunda e poética. Os traços psicológicos perfeitamente detalhados ajudam o leitor a entender atitudes tomadas por cada um deles, e o incita a pensar nas conseqüências de cada ato – sem deixar de torcer pelo famigerado final feliz. A linguagem poética e minimalista prende quem quer que o leia. A cada página, a angústia e a poesia presentes nas linhas só fazem o leitor querer devorar o livro, mas sem a coragem para terminá-lo.
Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios
Editora: Companhia das Letras
Nº de Páginas: 232