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Entenda por que armas químicas são proibidas

O poder destrutivo desse tipo de armamento se deve à capacidade de produzir reações nos organismos dos seres vivos

Por Pâmela Morais, do Politize!
Atualizado em 1 abr 2019, 17h31 - Publicado em 3 Maio 2018, 15h38
Entenda por que armas químicas são proibidas
(Politize!/Politize!)

Depois da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, a comunidade internacional formada pelos Estados passou a dedicar esforços para evitar que confrontos como aqueles se repetissem. Apesar dos avanços no âmbito do Direito Internacional, ainda basta ligar a TV para ficar sabendo sobre algum conflito atual.

Mesmo não podendo proibir as guerras, o Direito Internacional conseguiu grandes vitórias quanto à sua regulamentação − que envolve vários aspectos, entre eles a definição dos crimes de guerra. Um dos pontos mais importantes dessas leis é a proibição do uso de alguns armamentos, como as armas químicas. É justamente a história delas que você vai entender neste texto. Afinal, qual foi o caminho que levou à proibição do uso de armas químicas?

O QUE SÃO ARMAS QUÍMICAS E POR QUE ELAS DEVEM SER PROIBIDAS

A definição atual de armas químicas estipula como tal qualquer substância tóxica que pode levar à morte ou causar lesões permanentes, tanto em seres humanos quanto em animais. Os equipamentos utilizados para disparar essas substâncias também entram na definição.

O poder destrutivo desse tipo de armamento não se deve à explosão, como no caso das bombas, mas sim à capacidade de produzir reações nos organismos dos seres vivos − que podem ser fatais.

Mesmo podendo ser absorvida pela pele e boca, o principal modo de envenenamento por armas químicas nas guerras é pela respiração. Isso porque geralmente esses agentes, que estão em forma líquida, são pulverizados para atingir maiores áreas e, consequentemente, mais pessoas. É justamente por ser utilizada desse modo que as armas químicas são particularmente horríveis.

Afinal, ao serem lançadas no ar, deixa de ser possível controlar essas substâncias, que acabam atingindo tanto combatentes quanto civis − fato inaceitável de acordo com as normativas de guerra e do direito internacional humanitário.

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Além dessa característica “indiscriminatória”, as armas químicas também causam sofrimento desnecessário, que não é proporcional à vantagem militar conseguida com o uso dessas substâncias. Vantagem essa que, segundo o especialista no assunto, Hamish de Bretton-Gordon, é baseada na lógica de que quanto mais combatentes feridos, mais soldados têm que deixar o campo de batalha para cuidar dos seus companheiros.

Tal sofrimento inútil ainda é reforçado pela dimensão psicológica das armas químicas, pois os efeitos por elas causados são muito dolorosos, envolvendo asfixia e queimaduras na pele. Outros armamentos que causam sofrimento desnecessário, como minas terrestres, também têm uso vedado.

A HISTÓRIA DO USO DAS ARMAS QUÍMICAS E AS TENTATIVAS DE REGULAMENTÁ-LAS

Apesar de o assunto “armas químicas” ter voltado à tona com a guerra na Síria, esse tipo de armamento já é usado há um século e sempre foi visto como particularmente hediondo. O primeiro acordo de regulação dos usos desses agentes químicos data de 1675 e foi firmado entre França e Alemanha, proibindo o uso de balas envenenadas.

Quase 200 anos depois, em 1874, a Conferência de Bruxelas vetou o emprego de armamento envenenado ou de veneno, assim como o uso de projéteis ou materiais que causariam sofrimento excessivo dos combatentes. Logo depois, em 1899, na cidade de Haia, mais um acordo internacional acabou com o uso de projéteis cheios de gás venenoso.

Mesmo com todas essas regulamentações, armas químicas foram amplamente usadas entre 1914 e 1918, na Primeira Guerra Mundial. Ela é tida como a primeira guerra química moderna, tendo resultado em mais de 100 mil mortes e milhões de afetados.

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O episódio mais marcante desse conflito aconteceu em Ypres, na Bélgica, no ano de 1915. Durante tal batalha o exército alemão lançou uma nuvem de gás clorado que causou a morte de 15 mil soldados. Seu uso foi imediatamente reconhecido como um crime de guerra, o que não impediu que os oponentes dos alemães utilizassem do mesmo tipo de armamento na retaliação.

Com o extenso uso dessas armas durante a Primeira Guerra Mundial, a necessidade de regulamentá-las voltou ao topo da agenda internacional. Assim, foi assinado o Protocolo de Genebra de 1925, o qual proibiu o uso de gases asfixiantes e venenosos, mas não sua fabricação. Muitos países assinaram o acordo, porém com reservas que permitiam o uso de tais armamentos em resposta a ataques químicos sofridos e também contra Estados que não tinham assinado o protocolo.

Entretanto, os crescentes esforços para a proibição do uso de armas químicas foram interrompidos pelo início da Segunda Guerra Mundial, em 1940, conflito que levou à “descoberta acidental” de agentes nervosos pelos nazistas. Bretton-Gordon explica que “os agentes nervosos são organofosforados, pesticidas, e os alemães estavam pesquisando inicialmente pesticidas; eles, então, perceberam que esses agentes nervosos que eles haviam produzido, tabun e soman, eram incrivelmente efetivos em matar pessoas”.

Esses agentes nervosos também foram amplamente usados posteriormente, na guerra entre Irã e Iraque − 1984 a 1988. O ataque a Halabja, em 16 de março de 1988, apavorou o mundo ao matar cerca de 5 mil pessoas em um único dia. Essa tragédia resultou na assinatura da Convenção de Paris de 1993, sobre a qual você vai conhecer melhor logo adiante.

CONVENÇÃO DE ARMAS QUÍMICAS: UM MARCO NA REGULAMENTAÇÃO DA GUERRA

A Convenção de Armas Químicas (CAQ), como também ficou conhecido o tratado assinado em Paris, determina a proibição total da preparação, fabricação, armazenamento e uso das armas químicas. Tendo entrado em vigor em 1997, foi assinada por 191 países após muitas negociações.

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É importante frisar que uma comissão internacional integrada pelas maiores potências da época − em especial Estados Unidos e União Soviética, protagonistas da Guerra Fria − já se ocupava a elaborar um tratado para restringir o uso de armas químicas. Entretanto, como acontece com muitos acordos internacionais, as negociações iniciadas no fim da década de 1960 não estavam fluindo muito bem devido ao confronto de interesses entre os Estados.

Isso mudou quando o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou o ataque químico por parte do Iraque contra o Irã, que gerou indignação e uma nova pressão da própria sociedade civil.

A partir de então, o desenrolar das negociações para a elaboração do tratado deslanchou e dessa vez foram considerados diferenciais que se tornaram pontos-chave do sucesso do tratado. Um deles foi a inclusão das indústrias químicas na redação da convenção, o que foi possível a partir de um consenso global da necessidade de verificação internacional para que o acordo fosse eficaz.

Assim, em 1992 o “rascunho” do que acabaria se tornando a CAQ foi encaminhado à Assembleia Geral da ONU, onde foi lido e aprovado. Após o consentimento do Secretário-Geral, o período assinatura do tratado teve sua abertura marcada para a convenção que ocorreria em Paris, em 13 de janeiro de 1993. Logo nos primeiros dois dias dessa janela, 130 países assinaram o acordo.

Durante a Convenção de Paris, ficou claro que para a CAQ entrar em funcionamento seria necessária a criação uma agência especializada para fiscalizar os países assinantes. Assim, surgiu a OPAQ.

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A OPAQ E SEU PAPEL FUNDAMENTAL PARA A ABOLIÇÃO DAS ARMAS QUÍMICAS

A Organização para Proibição de Armas Químicas (OPAQ), criada em 1997, é uma Organização Internacional independente, mas que trabalha em estreita colaboração com a ONU. Sua missão é garantir a implementação da CAQ para que os usos de substâncias químicas sejam aplicados apenas para propósitos pacíficos. Suas principais funções são:

  • Aumentar o número de signatários da CAQ: dentre os Estados reconhecidos pela ONU, apenas quatro não assinaram o tratado − Angola, Coreia do Norte, Egito e Sudão. Além desses, Mianmar e Israel assinaram, mas não ratificaram o tratado (validaram com a aprovação do parlamento). A Síria tornou-se o 192º signatário em 2013;
  • Pesquisar e confirmar a destruição de armas químicas: o que é feito através de inspeções;
  • Monitorar atividades na indústria química: esse acompanhamento visa reduzir o risco de que produtos químicos sejam usados inapropriadamente;
  • Prover assistência e proteção aos Estados-membro em caso de ataque ou ameaça: tal ajuda não diz respeito apenas às armas químicas, mas também inclui armas nucleares,
  • Promover a cooperação internacional para o uso pacífico de produtos químicos: aqueles não proibidos pela Convenção.

O caráter fiscalizador da OPAQ

O Secretariado Técnico da OPAQ é um dos principais braços da organização, dando assistência para os Estados-membro na implementação prática da CAQ. Tal meta é atingida com o fornecimento de apoio às equipes nacionais, como aconselhamento e assistência, para que sejam atingidos os objetivos de desarmamento químico definidos pela convenção.

Esse desarmamento inclui a destruição dos estoques de substâncias químicas classificadas como ilegais, assim como a desativação das indústrias que as fabricam. Os Estados-membro ainda concordaram com a criação de um regime de verificação, já mencionado e que visa a garantir que o uso de substâncias químicas seja feito apenas para fins não proibidos pela CAQ.

Quando uma país assinante desconfiar se outro Estado-membro está ou não cumprindo a convenção, ele pode requerer à OPAQ que seja feita uma fiscalização. Essa “inspeção desafio” deve ser aceita por todos os Estados-membro, em qualquer momento e lugar.

Ainda no que se refere às vistorias às quais os países são submetidos, também é dever da OPAQ garantir que a segurança da população e a preservação do meio ambiente sejam tidas como prioridade. Assim, garante-se que os “efeitos colaterais” da destruição dessas armas químicas sejam reduzidos ao máximo.

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AFINAL, QUAL A DIFERENÇA ENTRE ARMAS QUÍMICAS PROIBIDAS E “PACÍFICAS”?

Você já entendeu que a CAQ proíbe o uso de armas químicas por elas causarem sofrimento desnecessário e desproporcional. Entretanto, essa Convenção prevê exceções que permitem o uso dessas substâncias com finalidade “pacífica”. Por isso, que tal entender a diferença entre as classificações das substâncias químicas?

Substâncias químicas proibidas

Podem ser separadas em quatro grupos, conforme as reações que produzem:

  • Sufocantes: capazes de lesionar toda a mucosa do nariz, traquéia e pulmão, provocando acúmulo de líquido nos pulmões. Isso impede que o oxigênio seja absorvido e leva à morte por sufocamento. Um exemplo de arma química sufocante é o gás clorado.
  • Hemotóxicos: impedem que as células absorvam o oxigênio presente no sangue para que órgãos como coração e cérebro funcionem propriamente, o que também pode ser fatal. Os cianetos se encaixam nessa classificação.
  • Irritantes: produzem uma reação similar à queimadura e pode afetar pele, mucosas e olhos. São as queimaduras na via respiratória que mais causam mortes. O gás mostarda, assim nomeado graças à sua cor, é o armamento químico mais famoso desse grupo.
  • Neurotóxicos: afetam os nervos periféricos e causam vômito, diarreia, salivação, convulsão e/ou alterações visuais. Pode levar à morte devido à paralisação dos músculos utilizados na respiração. As substâncias mais conhecidas dessa categoria são o sarin, tabun e soman.

Substâncias químicas permitidas

São aquelas classificadas como “pacíficas”, essas substâncias são utilizadas para dispersar multidões. São duas: gás lacrimogêneo e spray de pimenta. O uso desses agentes químicos é liberado por eles não causarem morte ou terem consequências mais graves além de seus efeitos irritantes − que incluem ardência nos olhos e dificuldade de respirar.

Mesmo assim, é importante ter cuidado ao utilizar essas substâncias. Uma exposição excessiva ao gás lacrimogêneo, por exemplo, pode ter efeitos mais graves em pessoas com doenças respiratórias como a asma. Além disso, crianças são muito mais sensíveis a essas armas devido ao seu baixo peso corporal.

Agora que você entendeu toda a problemática das armas químicas fica mais fácil compreender a reação por parte da Comunidade Internacional devido à utilização desse armamento, principalmente na Síria.

Este artigo foi publicado originalmente no Portal Politize

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