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Abril Azul: autistas e o direito à educação

Para maior inclusão, é necessário humanizar o diagnóstico e pensar em uma escola com acolhimento

Por Juliana Morales
14 abr 2021, 06h00

A promulgação da Lei Federal n° 12.764, em 27 de dezembro de 2012 foi um grande avanço na luta pela inclusão escolar de crianças e jovens autistas. Batizada como Lei Berenice Piana, ela institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, classificando, definitivamente, os autistas como pessoas com deficiência. Isso garantiu mais direitos e ampliou as informações sobre o transtorno à sociedade.

O autismo é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado pela dificuldade na comunicação e interação e na realização de comportamentos repetitivos. Ele se apresenta em diferentes formas, podendo ter graus mais leves a mais graves. As causas do transtorno não são totalmente conhecidas. Evidências apontam para a possibilidade de predisposição genética, infecções durante a gravidez e até aspectos ambientais como poluição.

Maria Berenice Piana, que dá nome à lei, é mãe de três filhos, um deles autista, e uma das principais defensoras dos direitos das pessoas com TEA. Em busca de uma ferramenta para ajudar as famílias na luta contra a burocracia, ela foi ao o Senado e entrou em contato com senador Paulo Paim (PT-RS). A sugestão legislativa apresentada pela Associação em Defesa do Autista em 2010 foi convertida no Projeto de Lei do Senado (PLS) 168/2011 pela Comissão de Direitos Humanos (CDH). Após ser aprovada pelo Congresso, a lei foi criada, tornando-se um exemplo de sucesso de legislação participativa no Senado.

A partir dessa lei, é garantido o acesso à educação e ao ensino profissionalizante às pessoas com TEA. Sistemas de ensino devem assegurar a matrícula a elas nas classes regulares de ensino, além de oferecer o atendimento educacional especializado e o profissional de apoio, caso seja necessário. Segundo a lei, “o gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos”.

Mais passos até a inclusão

De 2012 até hoje, a luta por direitos e inclusão dos autistas teve mais conquistas. Um exemplo é a regulamentação da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), pela Lei 13.977, de 2020, conhecida como Lei Romeo Mion – em homenagem ao Romeo Mion, filho do apresentador de televisão Marcos Mion, que se posiciona fortemente em defesa dos direitos dos autistas. De acordo com a lei, a carteirinha foi criada “com vistas a garantir atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social”.

Projetos buscam ampliar cada vez mais as discussões e avanços em relação à inclusão de pessoas com TEA. É o caso do Instituto Autismos. Composta por um grupo de voluntários independentes, a iniciativa propicia, desde 2018, formações, acompanhamentos e informações para familiares, educadores, profissionais da saúde e comunidade em geral.

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“Buscamos informar sobre o que é o autismo – o que também não é – e quem são as pessoas autistas”, conta Pedro Ferreira, que é psicólogo e atua como formador nos projetos do instituto.

É preciso humanizar o diagnóstico

Pedro diz que os diagnósticos têm grande utilidade para o trabalho clínico e para a educação, porém há casos em que eles precedem conhecimentos que só se tem a partir da convivência com as pessoas. “Por isso, muitas vezes, na escola, qualquer dificuldade na aprendizagem ou na convivência de um autista é simplesmente colocada na conta do autismo e não são consideradas questões pessoais importantes como o que cada um gosta ou deixa de gostar ou suas experiências familiares”, afirma. 

Para evitar essa padronização que diminui a experiência humana por um laudo, o psicólogo diz que é necessário trabalhar de outro jeito e entender que o corpo da pessoa autista tende a ser um espaço de hipersensibilidades (sensibilidades afloradas ao som, ao ambiente, aos cheiro e sabores) ou, ao contrário: podem ter poucos estímulos em determinadas regiões do corpo.

Como seria viver no mundo se você tivesse outro corpo? Como seria sua compreensão de ambiente, se a luz do sol ou o som do celular fossem muito mais intenso do que é agora? Ou se você não conseguisse esquecer que está vestindo a sua roupa porque você não consegue não sentir ela te apertando? Isso produz ansiedades”, traz a reflexão. 

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Além de inclusiva, a escola precisa ser acolhedora

Além da experiência profissional, Pedro acompanha a trajetória social e escolar do seu irmão mais novo, João Victor Ferreira, que é autista. “Meu irmão nasceu em 1996. Enquanto ele passava pelo ensino infantil, há quase 20 anos, as informações sobre o tema eram bem escassas. Ele sofreu bastante pela falta de informação, e consequentemente, pelo preconceito”, conta. 

O irmão conta que João começou a falar com oito anos de idade, e teve grande dificuldade de socialização na escola. O garoto precisou lidar com o bullying de colegas e com a indiferença e preconceito de alguns profissionais. Para reverter isso, João encontrou no esporte a solução, mais precisamente, no judô. “Para pessoas autistas, normalmente, o toque pode ser invasivo e o judô é um esporte de intenso contato corporal. Mas para o meu irmão funcionou muito bem, porque o pano grosso do kimono trouxe uma proteção para essa sensibilidade ao toque”, conta Pedro.

Assim como o kimono foi um estrutura usada por João para se organizar e enfrentar desafios, o psicólogo afirma que a escola ser essa ferramenta que acolhe e possibilita o desenvolvimento. Além das crianças e dos jovens, as escolas precisam estar preparadas para acolher as famílias que chegam sofrendo porque precisam lidar com o rompimento da idealização do filho que tiveram e aprenderem a lidar algumas dificuldades que possam surgir. 

Para Pedro, com sua experiência profissional e familiar, a luta é por uma sociedade onde a diferença é um direito, de fato. Onde haja suporte e acolhimento. “Não é sobre um aluno não conseguir estar em sala de aula. Muitas vezes, é sobre a educação não conseguir comportar esse aluno. Às vezes, essa deficiência é do próprio ambiente escolar”. 

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